Há coisas que me acontecem em que fico a pensar se as devo ou não partilhar mas na dúvida é como uma das frases da Madre Teresa de que mais gosto e que a Rita B. me relembrou há uns dias num comentário: "tudo o que não se dá, perde-se."
Fomos jantar com a Consul Honorária de Portugal, Preeni Pinto, o seu marido e filho. Tudo a correr lindamente, a conversa, a comida, o conceito do restaurante. Entretanto, entra um casal no restaurante com um filho pequeno e sentam-se numa mesa em que a mãe fica virada para mim. São muçulmanos, ela de cabeça tapada e o marido completamente à ocidental, de calções e t-shirt. Parecia que alguma coisa não devia estar bem. Quase não falavam e ela estava agarrada ao telemóvel, uma invenção que tornou o mundo global a um clique de distância mas que pode ser mesmo um meio de grandes males... Enfim, não é disto que quero falar.
Assim que o marido se levantou ela, uma rapariga jovem, afundou a cabeça nos braços e o filho continuou entretido com um telefone ou um jogo. Estava indecisa, mas tinha de ser rápida. Levantei-me sem dizer nada na mesa, não havia tempo, e fui perguntar-lhe se estava tudo bem, ela disse que sim. Disse-lhe para se concentrar nela e no filho. Ela sorriu e disse: "Thank you, sister!" De uma forma tão sentida e ternurenta, a mostrar que a cumplicidade entre as mulheres é universal.
O jantar continuou. Alguém na mesa perguntou se estava tudo bem e eu disse que tinha visto uma rapariga que parecia atrapalhada mas que parecia que estava tudo bem. E a conversa sobre Portugal e o Sri Lanka continuava normalmente na nossa mesa.
Ao mesmo tempo os meus pensamentos voaram até aos primeiros anos da faculdade quando li um livro que uma colega, a Sara P., me disse que tinha de ler porque era impressionante: Vendidas, de Zana Muhsen. É a história de duas irmãs filhas de pai iemenita e mãe britânica. Foram passar umas férias ao Iémen que imaginavam que iriam ser um sonho e acabaram por ser vendidas pelo pai para casar à força e ficarem perdidas numa aldeia. A Zana, mais velha, depois de oito anos de luta consegue fugir, mas Nadia, a mais nova continuava presa na altura em que li o livro. A Zana e a sua mãe continuaram a fazer tudo o que podiam para tirar a Nadia e o filho desta do Iémen, mas não faço ideia se acabaram ou não por conseguir. Na altura lembro-me de ter ficado meses ou anos a pensar na vida daquelas duas irmãs e do que seria feito da Nadia.
O casamento infantil é um tema com que lidei em Angola, um flagelo na Índia e infelizmente em muitos países do nosso mundo em pleno séc. XXI.
Antes disso, já tinha visto o impressionante filme "Rapto em Teerão" e foi assim que fui tendo conhecimento do mundo muçulmano. Depois os ataques terroristas do 11 de Setembro em 2001 e os posteriores que foram acontecendo ao longo dos anos, a cultura e religião muçulmana foram chegando até mim e ao mundo, da pior maneira possível. E é uma tentação a facilidade com que se pode rotular todo o mundo muçulmano.
De volta ao restaurante, o silêncio continuava na mesa do casal muçulmano e eu continuava inquieta. Assim que a rapariga se levantou para ir à casa de banho, lá fui eu. Pode parecer horrível, mas foi daquelas coisas incontroláveis. Ela parecia tão infeliz e tão jovem... Assim que entrei na casa de banho, estava de cabeça destapada. Adorei! Estava a lavar a cara. Perguntei-lhe de onde era, ao que ela respondeu que era dos Emiratos Árabes Unidos e que estava de férias. Voltei a perguntar-lhe se estava tudo bem. Ela contou que andavam a viajar de carro pelo Sri Lanka e que estava cansada e enjoada com tantas horas de carro. Disse-me que tinha mais duas filhas que estavam nos Emiratos Árabes Unidos e que só tinham vindo os três. Que alívio! Eu já estava a fazer um filme daqueles... Foi então que tirámos fotografias, mesmo na casa de banho. No fim, voltei à minha mesa não sem antes ela voltar a dizer:
"- Thank you, sister!" Com a mesma forma sentida, ternurenta e cumplice.
É ótimo quando conseguimos dar um passo para desconstruir preconceitos!
E agora com a situação do mundo: as guerras que duram anos sem fim, os ataques terroristas que aumentam a sua frequencia e a necessidade de acolher os refugiados é mesmo urgente que o medo do desconhecido em geral se supere procurando informação e dando o devido lugar ao outro, igual a nós, que está numa situação frágil que não escolheu e que tem tanto direito à vida e a uma vida digna como cada um de nós.
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