Estive a organizar uns papéis e encontrei uma das poucas coisas que escrevi e que foram publicadas. Na altura, ofereci-me para ser voluntária para a ONG angolana de Direitos Humanos, MOSAIKO. Deram-me vários textos para fazer a revisão e depois pediram-me se podia escrever um artigo para o número seguinte das revista MOSAIKO. Não fazia ideia sobre o que deveria escrever, mas só podia aceitar porque, na altura, fazia parte de uma ONG de "expats" chamada Grupo da Amizade e um dos projetos que apoiávamos era exatamente de deficientes motores.
Já agora, tenho de dizer que este projeto foi e espero que continue a ser absolutamente transformador das vidas de cada um dos deficientes motores que fazia as famosas Galinhas do Cacuaco. Que me acompanharão para o resto da vida, não só por serem tão, tão giras, mas pelo que simbolizam.
Este projeto surgiu graças a uma dos membros do Grupo da Amizade, Virginia R., que lhes ensinou a fazer tudo e que continua a fazer o acompanhamento deste grupo. Que falta que me fazia aqui uma Virgínia!!!
Como agora o meu dia a dia é entre crianças com deficiências de todos os tipos, mas essencialmente, deficiências mentais, fiquei a pensar que de fato a chegada ao lugar onde me encontro hoje foi sendo feita de uma forma gradual. Com certeza que hoje acrescentaria alguma coisa de diferente ao texto que escrevi em Agosto de 2015, mas aqui fica:
A maioria das
pessoas e das sociedades têm dificuldade em lidar com o que é “diferente”. Como
a diferença incomoda, tende-se a não falar sobre ela e a fingir que ela não
está lá. As pessoas com deficiência são uma realidade e o primeiro passo para
sua inclusão é aceitar que a deficiência existe.
Incluir as pessoas
com deficiência é criar para elas as mesmas oportunidades que os outros
cidadãos têm na sociedade, é conferir-lhes a mesma dignidade como pessoa. Para
que isso possa acontecer é necessário uma atitude pró-activa, é necessário
tomar decisões concretas pois caso nada se faça, as pessoas com deficiência são
deixadas à margem da sociedade.
A inclusão social de
pessoas com deficiência é também, por isso, uma questão de políticas públicas.
É necessário que o Estado dê o exemplo através da criação de leis e a tomada de
medidas administrativas que modifiquem as estruturas e serviços oferecidos,
conforme as necessidades de adaptação específicas de cada pessoa com
deficiência para que estas possam interagir naturalmente na sociedade como as
restantes pessoas.
A ação do Estado
poderá assumir diferentes formas e abranger diferentes áreas. Designadamente,
dar incentivos ao emprego, quer através do estabelecimento de quotas para
pessoas com deficiência no acesso à função pública, quer através da atribuição
de benefícios fiscais a empresas que contratem pessoas com deficiência;
atribuir subsídios às famílias que aceitem acolher pessoas com deficiência;
promover e apoiar escolas que integrem pessoas com deficiência; lançar
programas de formação de técnicos para apoiarem pessoas com deficiência; criar
regulamentos que permitam a circulação de pessoas nas ruas; criar regulamentos que
obriguem os edifícios que estão a ser construídos a terem acessibilidades para
pessoas com deficiência; subsidiar cadeiras de rodas, canadianas, camas
articuladas, aparelhos auditivos, treino de cães-guia, etc.
Embora a ação do
Estado seja determinante, a inclusão de pessoas com deficiência, deverá ser
promovida por toda a sociedade, por cada um de nós, pelas empresas, pelas
organizações da sociedade civil, pelas igrejas. Quanto maior for empenho e envolvimento
de todas estas entidades maior será a sua legitimidade para exigir a
intervenção do Estado.
O reconhecimento da
dignidade da pessoa com deficiência é feito ainda a nível internacional com a
Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências, que entrou em vigor em 2007,
que foi ratificada por Angola em 2012, e com a instituição do dia mundial da
pessoa com deficiência, celebrado no dia 3 de dezembro. Tanto a União Africana
como a SADC têm manifestado preocupações com as pessoas com deficiências, promovendo
reuniões e estabelecendo protocolos que levem os países envolvidos a adotar
medidas que conduzam à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade.
A Convenção vem
estabelecer a igualdade e a não discriminação das pessoas com deficiência, ou
seja, elas têm direito ao mesmo respeito e dignidade do resto da humanidade e também
têm direito a um ajustamento de sua diferença para permitir a sua inclusão e
participação na sociedade. As pessoas com deficiência devem, por isso, ser
consideradas iguais perante a lei e assim podem e devem exercer os seus
direitos como as outras pessoas. Reconhece-se a sua autonomia mas com apoio,
sempre que tal seja necessário. Mas essa necessidade de apoio mais direta deve
ser vista como interdependência humana e não como expressão da sua
incapacidade.
O reconhecimento
internacional e nacional que tem vindo a ser feito das pessoas com deficiência
vem revelar que a deficiência é um conceito que tem evoluído ao longo dos
tempos. No entanto é necessário sublinhar que muito está por fazer e que
depende de todos a conscientização sobre o valor, as capacidades e o contributo
que as pessoas com deficiência podem dar à sociedade.
Cabe a cada um de
nós promover o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com
deficiência assim como combater estereótipos e preconceitos em relação a
pessoas com deficiência, em todas as áreas da vida. Só assim, as pessoas com
deficiências podem sentir, tal como as outras pessoas, que têm verdadeiramente
um lugar na sociedade.